Seu nome é sinônimo de petróleo. Durante décadas, a Arábia Saudita encabeçou listas dos principais produtores e exportadores do combustível.
Agora, o país anuncia sua intenção de largar seu "vício" ao chamado ouro negro para poder sobreviver sem a renda proporcionada pelo petróleo.
Como? Criando aquele que seria o maior fundo soberano do mundo, com recursos de US$ 2 trilhões, mais do que o dobro do maior fundo de investimentos estatal existente hoje, o da Noruega, com US$ 865 milhões.
Para que o fundo soberano saudita, hoje com US$ 160 bilhões, alcance os US$ 2 trilhões, Riad planeja uma ação inédita: privatizar 5% das ações da petroleira estatal Saudi Aramco.
A venda dessas participações também estabeleceria novos recordes porque, segundo estimativas do Conselho de Assuntos Econômicos e Desenvolvimento da Arábia Saudita, apenas 1% já resultaria na maior oferta pública de ações da história - superando a da cadeia comercial chinesa Alibaba, que obteve US$ 25 bilhões, e a do Facebook, que somou US$ 16 bilhões.
O restante das ações da Aramco, que ficaria fora da venda pública, seria transferido ao fundo soberano controlado pelo governo saudita, conforme revelou a agência de notícias Bloomberg.
Plano de 15 anos
O príncipe Mohamed bin Salman disse que a implementação do plano 
 de reformas não dependerá d
as flutuações do mercado petroleiro
Os anúncios de reformas econômicas na Arábia Saudita fazem parte de um programa chamado "Visão 2013", divulgado pelo presidente do Conselho de Assuntos Econômicos e Desenvolvimento do país, príncipe Mohamed bin Salman.
"Desenvolvemos um vício de petróleo na Arábia Saudita", disse Salman à TV estatal Al Arabiya.
Romper essa dependência não será fácil: a Arábia Saudita obtém mais de 70% de suas receitas pela venda de petróleo, cujo preço caiu de US$ 115 por barril em junho de 2014 para pouco mais de US$ 40 na semana passada.
Ao mesmo tempo, o déficit fiscal do país atingiu o elevado patamar de 15% do PIB (Produto Interno Bruto), o equivalente a US$ 98 bilhões.
Apesar disso, Salman afirmou que a baixa do petróleo não tem relação com o plano de reformas - que, de fato, foi elaborado com o preço do petróleo estimado a US$ 30 por barril.
Com as reformas, Riad pretende elevar sua renda não petroleira, que ficou em US$ 43,6 bilhões em 2015, até US$ 160 bilhões em 2020 e US$ 267 bilhões em 2030.
A ampliação do fundo soberano será chave nessa estratégia.
"Tecnicamente, isso tornará os investimentos, e não o petróleo, a fonte de receita do governo saudita. Assim, em 20 anos, seremos um Estado que não dependerá principalmente do petróleo", disse Salman à Bloomberg na semana passada.
Estudo publicado em dezembro passado pelo McKinsey Global Institute apontou que a Arábia Saudita não poderá manter a dependência da renda petroleira e do gasto público diante de um cenário de mudanças no mercado energético internacional e de tendências demográficas que indicam aumento significativo, até 2030, no número de sauditas em idade produtiva.
Segundo essa análise, a elevação de produtividade por meio da reforma econômica permitiria ao país duplicar seu PIB e criar até 6 milhões de novos empregos até 2030.
"Estimamos que isso demandaria cerca de US$ 4 trilhões em investimentos", indica o relatório do instituto, que identifica ainda oito setores no país com potencial de crescimento: mineração, petroquímica, manufatura, comércio atacadista e de varejo, turismo, saúde, finanças e construção.
Andrew Walker, correspondente de economia da BBC, disse que as perspectivas de futuro para o país não são tão positivas, embora a Arábia ainda tenha reservas internacionais que descartam a necessidade, por exemplo, de contrair empréstimos no Fundo Monetário Internacional, como fez Angola recentemente.
"No longo prazo, esforços internacionais para combater as mudanças climáticas geram grande incerteza sobre a demanda de petróleo para o futuro. O petróleo não perderá sua preponderância no mercado de combustíveis para transporte nos próximos anos, porém o prognóstico é imprevisível à frente. Por isso, a Arábia Saudita precisa se tornar menos dependente do petróleo como recurso fiscal e fonte de trabalho e renda para seus moradores", afirmou.
Mudança social

O plano saudita de reformas para 2030 contempla mudanças que poderão impactar o funcionamento dessa sociedade conhecida por ser uma das mais conservadoras do mundo.
A chamada "Visão 2030" prevê que a participação das mulheres na força de trabalho cresça de 22% a 30%.
Além disso, integra um plano para conceder autorizações de residência e trabalho de longa duração para expatriados provenientes do mundo árabe muçulmano.
Por outro lado, a Arábia Saudita é um dos principais compradores de armas do mundo. Foi o maior importador de armamento entre 2010 e 2014, com 5% das aquisições mundiais, segundo dados do Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolmo.
Riad possui as forças armadas mais poderosas do Golfo Pérsico, com 233 mil integrantes na ativa.
O príncipe Salman, que também é ministro da Defesa, anunciou que o país buscará desenvolver sua própria indústria bélica como parte do plano de reformas.Um primeiro passo nesse sentido será associar a assinatura de contratos no exterior ao desenvolvimento da indústria local.
"A partir de agora, o Ministério de Defesa, assim como outros órgãos militares e de segurança, só fecharão contratos com provedores estrangeiros se estiverem vinculados à indústria local", disse Salman. "Vamos reestruturar vários de nossos contratos militares para atá-los à indústria saudita."
Fim da dependência?
Países exportadores de petróleo historicamente foram afetados por flutuações no mercado internacional que ocasionaram períodos de bonança e de dificuldades.Passaram por turbulências econômicas e, segundo alguns especialistas, possuem tendência a ter governos autoritários.Analistas como Michael Ross, professor de Ciência Política na Universidade da Califórnia, descrevem esse fenômeno como a "maldição do petróleo".
A Arábia Saudita não é o primeiro exportador de petróleo que propõe superar a dependência do produto. Na Venezuela, por exemplo, essa ideia apareceu em planos de diferentes gestões, incluindo a atual, de Nicolás Maduro.
"É algo extremamente difícil de fazer. É possível na teoria, mas na prática não há nenhum país tão rico em recursos que tenha conseguido se diversificar e encerrar a dependência do recurso", disse Ross à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Para o especialista, parte das razões para essas dificuldades são puramente econômicas."Enquanto a Arábia Saudita tiver petróleo, sempre será mais vantajoso importar bens do que fabricá-los no país. Será mais caro cultivar as mesmas frutas ou fabricar os mesmos chips de computador que pode comprar de outros países", disse.Ross afirmou que se os recursos do fundo soberano forem aplicados no país, poderão ajudar a melhorar a qualidade de vida dos moradores e impulsionar o desenvolvimento social - mas não acabar com a dependência de petróleo.
Recentemente, o FMI disse ter aprovado a proposta saudita de reforma.
"Não é apenas um esforço para equilibrar as contas fiscais nos próximos cinco anos, mas busca transformar a economia para deixá-la menos dependente do petróleo. Esses são objetivos bem recebidos e exatamente o tipo de transformação que uma economia como a da Arábia Saudita precisa", afirmou Masud Ahmed, diretor do FMI para o Oriente Médio e Ásia Central.
Para o dirigente do FMI, o desafio será implementar as reformas. "A questão será como assegurar que esses objetivos ambiciosos possam se converter em mudanças reais", disse.
O futuro dirá, portanto, se a Arábia Saudita será o primeiro país a conseguir superar a chamada "maldição do petróleo".
fonte:BBC Brasil