Mulheres buscam água em poço em Kiral, no Senegal, outra região atingida pela seca |
Visitei a
aldeia de Ndiamaguene, no extremo noroeste do Senegal. Se tivesse que dar
direções, diria que é a última parada depois da última parada, é a aldeia
depois que a estrada pavimentada termina, depois que a de cascalho termina,
depois que a trilha no deserto termina. Então vire à esquerda passando o último
baobá.
Mas a
viagem vale a pena, se estiver à procura das nascentes da enxurrada imigratória
fluindo da África para a Europa via Líbia. Ela começa aqui.
Ela começa
com um fio de água de imigrantes de milhares de pequenas cidades e aldeias por
todo o Oeste da África como Ndiamaguene, a uma distância de cinco horas de
carro da capital, Dacar. Eu visitei em companhia de uma equipe que está
trabalhando no documentário "Years of Living Dangerously" (Anos
vivendo perigosamente, em tradução livre), sobre a ligação entre a mudança
climática e a migração humana, que será exibido no último trimestre deste ano
no canal "National Geographic". No dia em que chegamos, 14 de abril,
a temperatura era de 45ºC, muito acima da média histórica para o dia, um nível
insano de clima extremo.
Mas há uma
anormalidade ainda maior em Ndiamaguene, uma aldeia agrícola de casas de
tijolos de barro e cabanas de teto de sapé. O chefe da aldeia reuniu
virtualmente todos de sua comunidade para nos receber, e eles formaram um
círculo receptivo de mulheres em estampas coloridas e meninos e meninas com
sorrisos calorosos, que voltavam da escola para o almoço. Mas no instante em
que você se senta com eles, você percebe que há algo errado nesse quadro.
Praticamente
não há quase nenhum homem jovem ou de meia-idade nesta aldeia de 300
habitantes. Eles partiram.
Todos
pegaram a estrada. As terras cultiváveis da aldeia, agredidas pelo clima, não
conseguem mais sustentá-los, e com tantas crianças (42% da população do Senegal
têm menos de 14 anos), há bocas demais para alimentar com uma produção cada vez
menor. Assim, os homens se espalharam pelos quatro ventos à procura de qualquer
trabalho que lhes pague o suficiente para sobreviver e enviar algum dinheiro
para suas mulheres ou pais.
Essa
tendência está se repetindo por todo o Oeste da África, que é o motivo para
todo mês milhares de homens tentarem emigrar para a Europa por barco, ônibus,
avião ou a pé. Enquanto isso, os refugiados que fogem das guerras na Síria,
Iraque e Afeganistão estão fazendo o mesmo. Juntos, esses dois fluxos
representam um imenso desafio para o futuro da Europa.
Diga a
esses homens jovens africanos que suas chances de chegar à Europa são
minúsculas e eles lhe dirão, como um me disse, que quando você não tem dinheiro
suficiente para comprar até mesmo uma aspirina para sua mãe doente, você não
calcula as chances. Você simplesmente vai.
"Somos
principalmente agricultores e dependemos da agricultura, mas agora não está
funcionando", me explicou em uolof o chefe da aldeia, Ndiougua Ndiaye, por
meio de um tradutor. Após uma série intermitente de secas nos anos 70 e 80, o
clima se estabilizou um pouco, "até cerca de 10 anos atrás",
acrescentou o chefe. Então o clima realmente enlouqueceu.
O período
de chuvas costumava começar em junho e prosseguir até outubro. Agora, as
primeiras chuvas podem não começar até agosto, depois param por algum tempo,
deixando os campos secos, e depois recomeçam. Mas voltam em forma de tempestades
torrenciais que provocam inundações. "Assim, independente do que você
plante, as plantações são estragadas", disse o chefe. "Você não tem
lucros."
O chefe,
que disse ter 70 anos, mas não sabia ao certo, só conseguia se lembrar de uma
coisa com certeza: quando era pequeno, ele podia caminhar para fora dos campos
a qualquer momento durante a estação de plantio "e seus pés
afundavam" na terra úmida. "O solo era escorregadio e oleoso, e
grudava em suas pernas e pés, e você tinha que esfregar para tirá-lo." Agora,
ele disse, pegando um punhado de areia quente, o solo "é como pó, não está
mais vivo".
Eu
perguntei se ele já ouviu falar de algo chamado "mudança climática"?
"Ouvimos a respeito no rádio, e estamos vendo com nossos próprios
olhos", ele respondeu. A temperatura está diferente. Os ventos estão
diferentes. Estão quentes quando deveriam estar frios.
As
impressões do chefe não estão erradas. A agência nacional de meteorologia do
Senegal diz que de 1950 a 2015, a temperatura média do país subiu 2ºC muito mais
rápido do que o previsto, e desde 1950 a média anual de chuvas diminuiu em
cerca de 50 milímetros. Logo, os homens de Ndiamaguene não têm escolha a não
ser migrar para cidades maiores ou para fora do país.
Alguns
poucos afortunados conseguem chegar à Espanha ou Alemanha, via Líbia. A Líbia
era como a rolha da África. Mas quando os Estados Unidos e a Otan (Organização
do Tratado do Atlântico Norte, uma aliança militar do Ocidente) derrubaram o
ditador líbio, mas sem colocar tropas em solo para ajudar a assegurar uma nova
ordem, eles basicamente retiraram a rolha da África, criando um imenso funil da
caótica Líbia para a costa do Mediterrâneo.
Os menos
afortunados encontram trabalho em Dacar, ou na Líbia, Argélia ou Mauritânia, e
os ainda menos afortunados ficam encalhados em algum ponto ao longo do caminho,
pegos no crepúsculo humilhante de ter partido sem ganhar nada e sem ter nada
para retornar. Isso cria mais e mais alvos tentadores de recrutamento por
grupos jihadistas como o Boko Haram, que pode oferecer algumas poucas centenas
de dólares por mês.
O chefe me
apresentou a Mayoro Ndiaeye, o pai de um jovem que partiu à procura de
trabalho. "Meu filho partiu para a Líbia há um ano e desde então não temos
notícias, nenhum telefonema, nada", ele explicou. "Ele partiu com a
mulher e dois filhos. Ele era um telhadista. Depois que ganhou algum dinheiro
(em uma cidade próxima), ele foi para a Mauritânia, depois para Níger e então
para a Líbia. Mas não mais tivemos notícias dele desde então."
O pai
começou a chorar. Essas pessoas vivem próximas demais da beira do precipício.
Um motivo para terem tantos filhos é que estes são a rede de segurança para os
pais idosos. Mas todos os meninos estão partindo e a beira do precipício está
cada vez mais próxima.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
THOMAS L. FRIEDMAN
Colunista
de assuntos internacionais do "New York Times" desde 1995, Friedman
já ganhou três vezes o prêmio Pulitzer de jornalismo.
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