Resultado de imagem para bruce lee a lendaCerto dia dos anos de 1960, o jornalista e escritor Joy Hyams almoçava com Bruce Lee num restaurante chinês no centro de Los Angeles. Não era sempre que Hyams tinha esse privilégio, de modo que aproveitou a oportunidade para queixar-se a Bruce, confessando-lhe que andava desanimado, sentindo-se velho, embora só tivesse 45 anos. Achava-se rígido demais para o Jeet Kune Do, arte marcial criada por Bruce.
 Você jamais aprenderá nada de novo se não estiver disposto a aceitar-se com suas limitações – disse-lhe Bruce. – Você precisa aceitar o fato de que é capaz em algumas coisas e limitado em outras, e que precisa desenvolver suas aptidões.
Hyams retrucou que aos 35 anos podia facilmente aplicar um golpe de pé acima de sua cabeça. Bruce fez uma pausa na mastigação e olhou para Hyams.
Isso foi há dez anos – disse. – Agora você está mais velho e seu corpo mudou. Todos têm limitações físicas a vencer.
Hyams continuou argumentando, comparando-se a Bruce.
Isso é fácil para você dizer. Se alguma vez alguém nasceu com habilidade natural para as artes marciais, esse alguém é você.
Vou lhe contar algo que pouca gente sabe: tornei-me um praticante de arte marcial apesar das minhas limitações – confidenciou-lhe Bruce, com um sorriso.
Por certo você não se deu conta, mas minha perna direita é quase 2,5 mais curta que a esquerda. Isso determinou minha melhor postura: o comando do pé esquerdo. Percebi, então, que, devido à perna direita ser menor, eu levava vantagem em certos golpes de pé, pois a pisada desigual deva-me um impulso maior. Além disso, uso lentes de contato. Desde criança sou míope, o que significa que, quando estava sem óculos, tinha dificuldade em ver meu adversário à distância. No início, voltei-me para o estudo de wing chun, que é uma técnica ideal para a luta corpo-a-corpo. Aceitei minhas limitações como elas eram e tirei proveito delas. É isso que você precisa aprender. Você diz que é incapaz de dar golpes de pé acima da cabeça antes de longo aquecimento, mas o problema efetivo é: importa realmente dar golpes dessa altura? A verdade é que, até recentemente, os praticantes de artes marciais raramente davam golpes de pé acima dos joelhos. Esses golpes à altura da cabeça são em sua maioria para exibição. Por isso, aperfeiçoe seus golpes de pé no nível da cintura e eles se tornarão tão formidáveis que você nunca precisará de golpes mais altos. Em vez de tentar fazer tudo bem, faça com perfeição apenas as coisas que pode. Embora a maioria dos praticantes de artes marciais competentes tenha gasto anos dominando centenas de técnicas e movimentos, num ataque, ou kumite, um campeão não usa efetivamente mais do que quatro ou cinco técnicas, sempre. São essas técnicas que ele aperfeiçoou e das quais sabe que depende.
Hyams protestou.
Mas permanece o fato de que o meu verdadeiro adversário é a idade.
Pare de se comparar, aos 45 anos, com o homem que você era aos 20 ou 30 – disse Bruce. – O passado é uma ilusão. Você precisa aprender a viver no presente, aceitando-se como você é agora. O que lhe falta em flexibilidade e agilidade cabe-lhe suprir com conhecimentos e exercício permanente.
Depois dessa conversa, Hyams não perdeu mais tempo tentando golpear com os pés acima da cabeça; em vez disso, trabalhou golpes à altura da cintura, até agradarem ao próprio Bruce.
Em fins de 1965, Bruce foi até a casa de Hyams, despedir-se, pois partiria para Hong Kong, onde pretendia se tornar um astro do cinema.
Lembra-se da nossa conversa sobre limitações. Pois bem, estou limitado pelo meu tamanho e dificuldades no inglês, além de ser chinês e nunca ter havido um grande astro chinês nos filmes americanos. Gastei os últimos três anos estudando cinema e creio que chegou a hora para um bom filme de artes marciais, e eu sou o mais qualificado para estrelá-lo. Minhas aptidões superaram minhas limitações.
“As aptidões de Bruce superaram efetivamente suas limitações, e, até sua morte prematura, ele foi um dos maiores astros do cinema. Sua carreira foi um exemplo perfeito do seu ensino: na medida em que descobrimos e desenvolvemos nossos pontos fortes, eles se impõem às nossas fraquezas” – conclui Hyams, no seu livro O Zen nas Artes Marciais (Editora Pensamento, São Paulo, 1979, 143 páginas), presente do meu amigo Erwin Von-Rommel Vianna Pamplona, autografado por ele em 26 de janeiro de 1997, pouco antes de eu retornar para Brasília, após dois anos trabalhando novamente como repórter em O Liberal, de Belém do Pará.
Entre os meus professores de Medicina Tradicional Chinesa (MTC) na Escola Nacional de Acupuntura (ENAc), todos extraordinários, Marcos Quintella é ouvido e procurado até pelos seus colegas de cátedra. Ele domina um modo único de pegar as agulhas durante uma sessão: todas as 10 de um pacotinho, colocando-as entre os dedos anelar e mindinho, e aplicando-as em questão de segundos. Tentei imitá-lo na minha primeira tentativa, tendo como paciente minha esposa. Uma semana depois ainda encontrava agulhas no chão da sala de casa. Desisti de imitar o professor Quintella. Ele também introduz as agulhas numa batida seca, com a ponta do dedo médio, que apoia na unha do indicador, soltando-o como um martelo, bam!, introduzindo a agulha, por meio do mandril, em milésimos de segundo. Isso eu tentei, gostei, e é o que muitas vezes faço.
A Medicina Tradicional Chinesa, que se baseia no Tao – o equilíbrio entre yin e yang, o fluir da vida –, conta com know-how de mais de 5 mil anos. Holística, trata o paciente como um todo, e considera a dimensão da matéria tão somente energia, como, aliás, confirmou o físico alemão Albert Einstein. Só as possibilidades com as agulhas já são ilimitadas, quando mais se considerarmos outros pilares da MTC, como alimentação correta, fitoterapia, massagem chinesa (Tui Na), Tai Chi Chuan (meditação em ação) e um mundo de conhecimentos terapêuticos da filosofia oriental – que é também religião.
Assim, o acupunturista terá inesgotável manancial de possibilidades para tratar o paciente. E da mesma forma como pensava Bruce Lee, o terapeuta não deve perder tempo com algo que o Tao está a lhe dizer que não é importante; precisa somente concentrar-se naquilo em que mais sente fluir seu talento, mesmo que seja apenas sorrir.
 Por RAY CUNHA