Pelo texto atual, as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros após uma ordem judicial específica
A possível mudança no Artigo 19 do Marco Civil da Internet, atualmente em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), tem gerado preocupações em relação à liberdade de expressão e ao papel das plataformas digitais. Para o especialista em regulação digital, Marcelo Senise, a alteração representa “uma ruptura silenciosa, porém profunda” no que hoje assegura a livre manifestação dos usuários no ambiente online.
Pelo texto atual, as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos de terceiros após uma ordem judicial específica. Com a eventual mudança, passariam a ser obrigadas a remover conteúdos a partir de simples notificações extrajudiciais, o que, segundo Senise, abre espaço para autocensura e remoção excessiva de conteúdos legítimos.
“As plataformas, preocupadas com possíveis sanções, passam a adotar políticas de moderação extremamente conservadoras, derrubando postagens que sequer configuram ilegalidade”, afirma.
Marcelo Senise, que preside o Instituto Brasileiro para a Regulação da Inteligência Artificial (IRIA), aponta ainda que as redes não têm preparo jurídico ou institucional para diferenciar conteúdos realmente ilegais de críticas ou opiniões impopulares.
“Esse é justamente o ponto que a proposta ignora: as plataformas operam com algoritmos e políticas internas — não com o olhar constitucional do Judiciário.”
O especialista acredita que, caso a nova regra seja aprovada, o cenário será de silenciamento disfarçado, onde o “medo da sanção jurídica substituirá o compromisso com a pluralidade”. Para ele, a consequência será um ambiente menos livre, controlado por pressões externas e por decisões automatizadas sem transparência.
Combate às fake news
Sobre o argumento de que a mudança poderia ajudar a combater as fake news, Senise faz um alerta:
“A simples notificação sem controle judicial é um convite ao abuso. Não podemos combater desinformação com medidas que colocam em risco a própria estrutura da democracia.”
Na avaliação do especialista, o maior prejudicado será o usuário comum, que poderá ter seu conteúdo removido sem direito de defesa e sem explicações claras:
“A liberdade de expressão será apagada por filtros invisíveis e inquestionáveis. Para qualquer democracia, isso é uma sentença de fragilidade.”
Enquanto o STF decide os rumos da internet no Brasil, cresce o debate sobre como equilibrar liberdade e responsabilidade no ambiente digital, sem abrir precedentes para a censura.
“Tenho lutado intensamente, como cidadão, especialista e presidente do IRIA, para que a regulamentação tanto da inteligência artificial quanto das redes sociais seja conduzida pelo Congresso Nacional, de forma legítima, transparente e democrática. Esse é o único caminho possível para proteger a liberdade sem abrir espaço para o arbítrio. O Brasil não pode ser espectador de sua própria distopia digital. Precisamos de uma legislação sólida, que una inovação com responsabilidade, liberdade com segurança, e tecnologia com ética. A omissão não é mais uma escolha possível. A hora de agir é agora”, finaliza Senise.
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